Criação do método de adestramento Hungaro Soares



                No ano de 1985, eu estava adestrando um cão da raça Pastor Alemão numa praça da Zona Sul, bairro nobre de São Paulo. Num certo momento, percebi que o cão começou a mostrar um comportamento estranho. Já era a 12ª aula e Rex apresentava uma ótima obediência nos comandos "não", "junto", "senta", "fica", "deita" e "aqui". De repente, ele começou a se rebelar e a voltar seu olhar para um ponto fixo da praça, tentando ir para esse ponto como se algo o atraísse. Nesse momento, dei uma voz de comando com um tom forte e subjulguei o cão à minha vontade. Fiquei surpreso, pois ele se voltou contra mim tentando me morder e como não conseguira voltou sua atenção para o ponto da praça e começou a me puxar naquela direção. Essa atitude do cão despertou minha curiosidade.

                Então, deixei o cão agir de acordo com seu instinto e quanto mais ele se aproximava de uns pés de azaléia, mais ele me puxava, até que me deparei com um rapaz aparentando ter uns 20 anos que estava agachado no meio dos arbustos assistindo ao adestramento. Um constrangimento tomou conta de nós dois pois éramos estranhos, mas algo entre Rex e o estranho era familiar pois este chamava aquele pelo nome. O encontro foi de uma amizade tão profunda que o cão pulou em cima do rapaz e o lambeu de tal forma que quanto mais o rapaz dava a ordem para que parasse, o cão mais pulava e lambia.

                O rapaz, que se chamava Paulo, era proprietário de Rex e estava estudando no exterior a três meses. Ele pediu para que eu encerrace a aula daquele dia e foi para casa com seu cão. Durante uns 15 minutos fiquei naquela praça sem entender tudo aquilo que acontecera. Havia muitas perguntas, porém sem respostas. Será que o cão possui um sexto sentido? Como Rex descobriu o seu dono a uma distância de aproximadamente 80 metros? Por que o cão não obedeceu ao meu comando? Por que durante o comando "não" ele tentara me morder? Não fazia parte dos meus princípios e de meu método, mas será que o cão precisava ter sido castigado ou punido? Será que o cão é um mau caráter? Eu estava envergonhado por não ter conseguido dominar o cão na obediência na presença do proprietário e procurava encontrar uma justificativa pela falha de Rex, pois eu tinha um bom método de adestramento.

                Bem próximo do lugar onde Paulo estava, um rapaz colocava sacos vazios de cimento num carrinho e o vento carregava o resto de cimento que saía como uma nuvem cinza para o local em que eu adestrava o cão. Nesse momento eu estava pensando em memória, mas não sabia como Rex tinha reconhecido Paulo à distância sem ter visto seu corpo. No curso que eu tinha feito sobre adestramento, falava-se muito sobre faro do cão e sobre rasteio ou venteio, com o cão sempre procurando algo em um local programado. Porém, naquela situação era o contrário, pois Paulo não esteve no local do adestramento antes da aula. E se a alimentação diferente alterou o cheiro corporal de Paulo? Será que o cão se comunica por telepatia?

                Como era o último adestramento daquele dia, fui para casa pensando no ocorrido. Analisei todos aqueles nomes: vento, faro, nuvem cinza, odor, memória, Paulo, Rex, pulos, lambidas, alegria, desobediência e não consegui encontrar uma solução. Mesmo com todas as dúvidas, descobri que adestrar não era só ensinar o cão a andar junto, dar a pata, pular em cima de mim como manifestação de amizade ou realizar outros comandos sem utilidades. Ali eu era um prestador de serviço e o que vendia era conhecimento cinológico. Era preciso adestrar o cão de acordo com as necessidades do dono. Mas, como fazer isso se Rex já tinha na memória um comportamento lingüístico para com Paulo? E por que Paulo não tinha esse comportamento lingüístico com Rex?

                No dia seguinte, ao chegar para o adestramento, o cão já estava preso à guia e Paulo estava segurando-o pelo pescoço. Com a minha aproximação, o cão avançou na minha direção com tanta violência que só não conseguiu me morder por estar seguro na guia. Será que o cão estava sentindo ciúme naquele momento? Como eu estudava um pouco sobre cães que mordiam seus donos ou parentes e até estranhos, perguntei ao Paulo se ele tinha comandado o cão a me atacar. Ele respondeu que não, mas disse que segurava o cão daquela forma quando brincava com alguns amigos. Diante disso, pude compreender que Rex tinha em sua memória todo aquele comportamento, que fôra condicionado de forma involuntária. Paulo não sabia que a brincadeira com os amigos e a forma de segurar o cão, abraçando-o pelo pescoço, era na verdade, um comando de ataque para Rex. O cão memorizou a ação do ataque sem uma voz de comando. Isso explica porque Rex era dócil quando estava longe de Paulo.

                Naquele dia, tive que dominar Rex na presença de Paulo. Procurando recursos dentro do meu método fui dominando totalmente o cão, até que ele se deu por vencido, isto é, Rex passou a me respeitar diante de qualquer circunstância e eu respeitei sua condição (do mesmo modo que um líder da matilha o respeitaria). Foi a primeira vez que eu consegui compreender a mente e o universo canino. Aos poucos, Rex foi se tornando maleável e obediente. Com o passar do tempo, Rex foi assimilando todos os comandos referentes ao básico de adestramento, num total de 21. Eliminei do básico os comandos "morto", "rola", "vivo", "machucado", "dá a pata", "rasteja" e "cumprimenta", pois não trazem benefício algum no adestramento dos cães para guarda (pessoal, patrimonial ou mista). Dessa forma, através de aperfeiçoamentos, desenvolvi um método que consiste em adestrar os cães juntamente com seus donos, moldando seus hábitos e ao mesmo tempo, aplicando uma didática prática que não altere seus instintos naturais. Por exemplo: o cão senta, deita e anda desde filhote. O objetivo do método é fazer com que o cão aprenda o valor lingüístico associado a cada movimento físico.

                Desde a criação do método venho trabalhando os comportamentos dos cães nas mais diferentes idades, dócil ou violento, medroso ou corajoso. Os donos dizem muitas coisas a respeito de seus cães. Cão mau caráter. Cão de péssima índole. Malcriado. Ciumento. Cão que faz pirraça, pede carinho, beijo ou que tenta impor sua vontade. Tratei meu cão com muito carinho e ele me mordeu! Meu cão não gosta do meu filho mais novo! Se meu marido me abraça, meu cão rosna e late querendo morder. Meu cão urina no sofá para marcar território. Este cão não combina com meu temperamento... O comportamento dos cães, adquirido de forma involuntária, faz com que os donos tentem justificar uma atitude negativa e a falta de uma guarda responsável. Com o passar dos anos, fui aprimorando cada vez mais o método, até estender o adestramento para todos os tipos de problemas apresentados no universo canino.

José Soares dos Santos Neto
criador do método Hungaro Soares




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